Entre ambulantes, pedestres e barracas: o comércio informal que transforma o Centro de Maceió
- noticiasmare
- 23 de set.
- 8 min de leitura
Ocupação das calçadas revela desafio entre mobilidade urbana e sustento
Por Carol Neves e Laura Albuquerque

Uma caminhada pelo Centro da cidade e um sonho em comum entre os ambulantes da região: um local de trabalho fixo. Esse é o anseio de muitos comerciantes que precisam locomover suas mercadorias todos os dias de um ponto a outro para vender frutas, peças de roupa, brinquedos, produtos de papelaria, entre outros itens comumente comercializados nas ruas de Maceió.
Em meio aos sons da cidade, carros, ônibus, lojas, pedestres, clientes e ambulantes com um desejo vivido de sobrevivência que resiste aos desafios constantes de vendedores itinerantes. Homens e mulheres levantam todos os dias e se reinventam ao carregar o mostruário das suas fontes de renda, seus carrinhos. As ruas e as calçadas não são apenas chão, mas seu território de trabalho e os passantes podem ser tanto clientes quanto pedestres insatisfeitos com a ocupação das vias.
“Muitos reclamam, mas muitos também entendem, porque o desemprego é grande no estado”, afirmou Marcelo José da Silva, ambulante de 45 anos.
Há 20 anos Marcelo trabalha com vendas e utiliza as ruas do Centro da cidade como a vitrine de suas mercadorias. Legumes e verduras são o sustento da sua família e apesar de morar próximo ao local de trabalho, precisa deslocar seu carrinho pesado todos os dias até a esquina da Rua Boa Vista. Tendo à comercialização como sua única fonte de renda, o ambulante explica que atualmente sua realidade com os fiscais responsáveis por regularizar este comércio é tranquilo, mas que no passado havia dificuldades.
“Eles deslocavam a gente de um local e colocavam em outro, e como não tinha movimento, nós não queríamos ficar alí. Eu já tive muito atrito com os fiscais, já chegaram a levar dois carrinhos meus cheios de mercadorias, mas por enquanto as coisas estão mais tranquilas”, destacou o comerciante, relatando que os fiscais chegavam de forma brusca, sem educação e diálogo e recolhiam seu material e o deixavam no prejuízo.
Lutas do dia a dia
Quando a cidade acorda eles já estão de pé para coletar seus materiais ou preparar o café da manhã daqueles que posteriormente iriam cruzar seus caminhos nas ruas. E entre a luta contra a exaustão e a vontade de trabalhar ainda há quem sofra as provações dos agentes de regularização que muitas vezes impossibilitam uma venda satisfatória.
“Vivemos desafios com os fiscais todos os dias, e isso dificulta o nosso trabalho. Tudo isso começou devido a outros ambulantes que trabalhavam com verduras e deixavam as calçadas muito sujas, por conta disso nós pagamos até hoje”, afirmou Kessia Ferreira, uma ambulante que comercializa seus produtos na Rua do Comércio.
A vendedora, de 31 anos, trabalha no ramo desde os 13 anos de idade e apresenta uma realidade diferente de Marcelo, ela conta que diariamente precisa retirar seu carrinho de fruta do local a pedido do fiscal e retornar para o início da rua, conhecida como rua dos ônibus.
Kessia descreve que os principais desafios enfrentados por ela giram em torno do desgaste de precisar acordar muito cedo para encher seu carrinho e conduzir ele até o Centro, independente se está fazendo chuva ou sol, o que torna a rotina cansativa. Outra batalha que a ambulante enfrenta é com os demais comerciantes.
“É normal que tenha discussões todos os dias, já que cada um tem um preço diferente e ninguém quer sair por baixo e como meu marido pega os produtos da roça nós temos um preço mais em conta. Todos querem ganhar, mas nem todos têm preço”.
O sustento que advém das calçadas
Ao mesmo tempo que os ambulantes são vistos como facilitadores por tornar possível o acesso rápido a diversos produtos e serviços como consertos e reparações, a presença dos ambulantes se mistura ao pulsar urbano e por muitos é enxergado apenas como um obstáculo no meio do caminho.
“Eles dizem que nós fazemos muita bagunça e deixamos o espaço sujo. Mas o que eles não entendem é que muitas vezes nós temos que limpar a mercadoria antes de organizar e acaba deixando sujeira no chão, mas depois varremos e apanhamos”, explicou a vendedora Maria das Dores, dizendo que quando chove os clientes reclamam bastante por restringir a mobilidade.
A ambulante trabalha com frutas há mais de 15 anos e embora ela goste do ponto onde comercializa seus produtos, o desejo de um local fixo ainda parece o mais ideal para a comerciante. Para Maria, a maior adversidade da jornada é o deslocamento das mercadorias.
“Tem que trazer a mercadoria cedinho e levar o carro para casa no fim do dia. Eu não posso deixar o carro aqui porque podem roubar e para locomover o carrinho preciso de um carregador porque eu não consigo levar e isso acaba sendo difícil”, detalha a feirante.
Três ambulantes diferentes que compartilham o mesmo desejo: conquistar um espaço fixo e movimentado. Para eles, esta mudança significaria mais do que estabilidade, facilitaria a locomoção diária e daria mais qualidade ao trabalho que sustenta suas famílias.
Quem passa, quem vende
“Eu acho que atrapalha o comércio. Eu acho que devia ter um lugar específico para eles, pois fica tumultuado tanto para o comerciante, quanto para quem está passando”. A fala é da servidora pública Adelma Nunes, de 60 anos. Ela trabalha na Assembleia Legislativa há 40 anos e anda pelas ruas do Centro de Maceió todos os dias.
Para ela, a presença intensa de comerciantes traz complicações para os pedestres.
“Um exemplo é a farmácia da Drogasil, você vai entrar na farmácia e não consegue de tanto camelô na frente do estabelecimento gritando. Não tenho nada contra quem vende, mas que exista um canto próprio para eles”, reclama.

Insatisfeita, Adelma ressalta que muitos ambulantes não compactuam com a ideia de ficar em ruas paralelas, pois eles alegam que não há movimentação e por isso ocupam o calçadão. “Eu acho que eles deviam ser realocados para outros lugares. Que tenham um lugar para trabalhar, mas que não atrapalhe a ida e vinda de quem passa”.
Segundo a servidora, o ideal era que a Prefeitura de Maceió organizasse os ambulantes em seções, ou seja, de acordo com o item vendido. “Se é para facilitar a vida, então quem vai vender roupa, deve ter um lugar específico para quem vai vender roupa. Se vende comida, que exista um lugar para isso”.
Apesar de ser contra, Adelma reforça que entende os motivos que levam os ambulantes às ruas.“O desemprego é muito grande, as pessoas ficam tentando sobreviver”.
Entre passos e barracas
O comércio informal no Centro de Maceió transformou o espaço urbano e a rotina de quem circula pela região. Barracas, bancas e vendedores ambulantes multiplicam-se nas calçadas, oferecendo desde alimentos a artesanato. Ao mesmo tempo em que trazem vida ao Centro, a ocupação levanta questões sobre mobilidade, infraestrutura e acessibilidade.
Para o arquiteto e urbanista Felipe Gomes, os impactos da presença de ambulantes nas ruas do Centro são tanto positivos quanto negativos. Ele diz que, mesmo com o prejuízo à acessibilidade, os ambulantes ajudam a ampliar a vivência urbana nas cidades brasileiras.
“A presença de vendedores nas ruas contribui para que as pessoas saiam dos seus lares para o centro, fomentando também o comércio físico local”, aponta. Segundo Felipe, a presença de ambulantes ajuda a colocar “olhos na rua”.“Quanto mais pessoas ocupam o espaço urbano, mais seguras são as nossas cidades”, explica.
Apesar dos benefícios, o urbanista explica que a infraestrutura sofre com a falta de planejamento para comportar tantas atividades.”Um exemplo disso é a infraestrutura da rede elétrica. Geralmente, você tem vários ‘gatos’ conectados àquela fiação e que passam a prejudicar a infraestrutura urbana. Essa fiação acaba ocupando até mesmo as calçadas”, relata.
Felipe ressalta que o trânsito também é impactado, pois acabam surgindo engarrafamentos em ruas que até então não estavam preparadas para comportar atividades comerciais e o fluxo de veículos.
A presença de ambulantes também influencia a paisagem e a dinâmica da vida urbana. Segundo o arquiteto, o que é vendido por esses comerciantes vai influenciar como a sociedade em geral encara o espaço, podendo trazer percepções boas ou ruins.
“Quando nós visitamos o Mercado da Carne em Maceió, esse espaço vai ter um cheiro, vai ter cores, vai ter um aspecto que nós encaramos de uma forma. A gente vai no Mercado das Artes 31 no Jaraguá, são outros produtos vendidos, o clima é outro, a ventilação natural é outra. Isso influi diretamente na forma como os turistas e moradores vão acabar tendo uma perspectiva daquele local”, revela.
Quando a rua se reinventa
Quando questionado, o arquiteto e urbanista Felipe Gomes afirmou que o caminho para que o comércio informal conviva com o fluxo de pessoas e com a cidade passa, antes de tudo, pela formalização e pela requalificação dos espaços públicos.
“O primeiro passo é converter o comércio informal em comércio formal. O comércio informal por si só não deveria existir, porque esses trabalhadores ficam sem os seus direitos”, explica.
Ele defende que o poder público deve requalificar espaços ociosos. “Nós temos edifícios e terrenos abandonados que poderiam tranquilamente ser convertidos em comércio público formal. Um exemplo está no Pontal da Barra, onde você tem um terreno baldio, completamente abandonado, que foi convertido em uma galeria de artesanato para aquele bairro”.
Para reforçar ainda mais, o urbanista cita outro exemplo recente de revitalização em Maceió: A Praça Lions, na Pajuçara.
“A praça foi recentemente reformada para comportar esses comerciantes que até então eram informais e tornaram-se formais. Ali, você tem os quiosques já planejados. Assim, você tira esses trabalhadores de um espaço insalubre e expostos às intempéries, como a chuva e o sol, e passa a ter um local para que eles possam organizar os seus produtos e ficarem abrigados”.
O arquiteto ainda lembra que Maceió pode aprender com outras cidades brasileiras. “Na cidade de Brasília, nós tínhamos um estádio que foi convertido na Galeria Virgínia, também conhecida como Galeria Mané, onde você tem um centro gastronômico e artístico ocupado pelos moradores, artesãos e turistas”.
Para ele, medidas assim ajudam a garantir direitos aos trabalhadores, melhorando a paisagem urbana e devolvendo as calçadas aos pedestres sem apagar o dinamismo econômico dos ambulantes.
Conheça a Estação das Docas, em Belém: https://estacaodasdocas.com/
Saiba mais informações sobre o Mercado do Artesanato, em Maceió: https://www.instagram.com/mercadodoartesanatomcz?igsh=cjUzZGtjcW80OTds
Olhar do poder público
Na perspectiva de quem fiscaliza a realidade também não é simples. A questão dos ambulantes no calçadão do Centro da cidade se estende ao longo dos anos, como observado no ano de 2007, quando os comerciantes lotaram as ruas do Centro como forma de protesto pela demora da realocação. E dez anos depois, em 2017, quando a prefeitura precisou intensificar a fiscalização da área, tendo em vista que a Lei Municipal nº 6519 art.10, de 2015, proíbe a presença de ambulantes no calçadão entre 09h30 e às 16h.
O subsecretário de convívio social da Secretaria Municipal de Segurança Cidadã (Semsc), Valdecio Nascimento, afirmou que a presença dos ambulantes nas ruas do Centro foi intensificada após a pandemia do COVID-19.
“A pandemia fez com quê essa situação reacendesse e a Prefeitura tivesse que se debruçar para resolver esta problemática”, enfatizou o subsecretário.

Valdecio esclareceu que a relação entre a prefeitura, os ambulantes e a sociedade sempre foi muito delicada, mas destaca que ainda que a visão social seja negativa sobre os agentes municipais, as ações de fiscalização e realocação são voltadas principalmente para os comerciantes irregulares.
“Do ponto de vista dos ambulantes irregulares, as nossas ações muitas vezes podem parecer uma repressão. Os espaços têm uma capacidade específica para absorção de ambulantes e a presença dos irregulares muitas vezes prejudica os regulares”.
O subsecretário aponta que desde 2024 a prefeitura está desenvolvendo um projeto de revitalização da área em questão chamado “Novo Centro”, que pretende atender oito eixos de atuação e avanços: habitação, cultura/turismo, infraestrutura, mobilidade, acessibilidade e comércio/serviços. Este último concentra esforços em criar um espaço adequado para os ambulantes do Centro, criando um novo layout na região.
“Um local melhor para que eles possam desenvolver suas atividades com mais qualidade e infraestrutura, com banheiro e também levando outros serviços para aquele espaço seja movimentado”, citou Valdecio, reforçando que um dos objetivos do programa é facilitar a circulação de pessoas e a mobilidade urbana no Centro de Maceió.



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