Da periferia para a periferia: como a união local e o empreendedorismo transformam realidades em AL
- noticiasmare
- 7 de jun.
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O projeto Acelera Perifa, do Sebrae Alagoas, tem levado conhecimento e suporte às comunidades por meio de jovens da própria região
Por Pedro Acioli

Nas margens das grandes cidades, onde o Estado muitas vezes é ausente, mais de 16 milhões de pessoas do país, segundo o IBGE, enfrentam diariamente a falta de direitos básicos, a insegurança e a precariedade da infraestrutura. Ainda assim, esses territórios são marcados pela riqueza cultural, solidariedade e resistência. Além disso, um elemento comum se destaca em todos esses locais: o empreendedorismo, em que surgem histórias de luta e criatividade que mudam realidades.
Em busca da sobrevivência, iniciativas surgem como motor da economia local e instrumento de transformação social. Segundo pesquisa de 2023 do Data Favela com o Sebrae, empreendedores de baixa renda em Alagoas movimentam mais de R$2,5 bilhões por ano. Com esse potencial, eles têm contado com o apoio e conhecimento de membros da própria comunidade para fortalecer seus negócios.
Foi assim com Josiane de Souza, de 37 anos, moradora do bairro do Feitosa, em Maceió. Ex-gestora de uma clínica veterinária, ela precisou deixar o trabalho formal após 11 anos por questões de saúde. Porém, durante uma reforma em casa, ao criar uma cuba para a pia do banheiro, acabou descobrindo ali uma nova possibilidade de negócio.
No entanto, ao longo do processo, Josiane percebeu que as cubas que produzia eram frágeis. Decidiu, então, fazer um curso e aprendeu uma nova técnica que melhorou a qualidade do produto. Com o domínio da parte técnica, percebeu que ainda faltavam conhecimentos sobre empreendedorismo. Apesar de seu marido já ter tido uma lanchonete, ela sentia a necessidade de aprendizados mais específicos para gerenciamento.
“Os desafios que tive no começo foi a questão do conhecimento. ‘Eu quero abrir um negócio, e agora? O que eu faço? Como eu faço?’ [...] A outra dificuldade foi encontrar nosso cliente, porque não é todo mundo que compra, nem todos valorizam o que é artesanal”, conta a empreendedora.

Ajuda no próprio negócio
Para enfrentar esses desafios, ela contou com o apoio de Arthur Pereira, um jovem de 20 anos e estudante de design, morador da Grota das Piabas, na comunidade do Jacintinho, vizinha ao bairro dela. A empresária revela que ele foi fundamental no fortalecimento da marca e na identidade visual do negócio.
“Ele nos ajudou com o nosso portfólio profissional, também em como a gente encara esse mercado, além de como trabalhar a nossa marca no Instagram. Então, tudo isso tem nos ajudado muito”, explica Josiane.
Em contatos frequentes, Arthur oferece apoio principalmente pela internet, mas também faz visitas à casa de Josiane, onde ela produz suas peças. Mais do que tirar dúvidas técnicas, sua ajuda também se destacou no campo emocional, que, segundo Josiane, foi uma das contribuições mais importantes.
“Nós estávamos desanimados. Mas o Arthur chegou e falou: ‘Como assim? O seu produto é maravilhoso.’ [...] Eu já estava pensando: ‘Será que a gente continua ou não?’ Então, ele veio e deu esse gás pra gente. [...] Ele chegou na hora certa, a gente não sabia mais o que fazer”, relata.
Com a assistência recebida, a Design Concretta, marca criada pela empreendedora, vem transformando concreto em peças cheias de estilo e funcionalidade. Além das cubas para pia, também vende kits de lavabo com dispenser para sabonete líquido, difusores, bandejas e vasos decorativos. Em apenas nove meses de atividade, a marca já traz uma renda mensal para ela.
Programa Acelera Perifa
O apoio de Arthur faz parte do programa “Acelera Perifa”, iniciativa do Sebrae Alagoas voltada a levar conhecimento e capacitação aos empreendedores das comunidades. O jovem atua como agente de empreendedorismo, ao lado de outros 18 participantes, que também são moradores da periferia, espalhados por Maceió.
Eles oferecem orientações gratuitas que contribuem para o desenvolvimento e fortalecimento dos negócios inscritos no projeto e atuantes nas comunidades atendidas. Após identificar as principais necessidades de cada empreendimento, os agentes auxiliam na implementação de melhorias, com foco na gestão e organização dos processos.
Esse apoio acontece, muitas vezes, por meio de visitas quinzenais, ou até semanais, nos locais onde funcionam os empreendimentos, complementadas por orientações virtuais. Além disso, os empreendedores são convidados, ao menos uma vez por mês, para palestras com mentores e outros empresários de Maceió.

Durante os aprendizados na faculdade, Arthur logo se encantou pela área de Design de Serviço, voltada para a criação de soluções e a melhoria da experiência dos usuários. Foi então que o Acelera Perifa surgiu em sua vida como “uma luz”, unindo propósito e oportunidade.
“Eu tenho a oportunidade de aplicar em campo as coisas que me interessei, que eu estava aprendendo, que eu gostava muito de ver dentro do contexto que eu estou ali [de comunidade] e ajudar os meus, quem está ali comigo, e ver essa mudança de perto. Ver como essas soluções podem realmente ajudar pessoas. Então, é você fazer soluções reais para pessoas reais”, afirma Arthur.
Pessoas impactadas pelo projeto
Lançado como projeto-piloto em 2024, na primeira edição, o Acelera Perifa atuou nos bairros do Reginaldo, Denisson Menezes e Jacintinho, em Maceió, alcançando mais de 250 pessoas. Foram oferecidas mais de 850 horas de orientação e capacitados em torno de 100 empreendedores, a maioria mulheres com idades entre 41 e 60 anos.
No primeiro ano, o projeto contou com a atuação de 20 agentes de empreendedorismo. Agora, o trabalho segue com outros 19 agentes, ampliando o alcance para cerca de 300 empresários das periferias que estão recebendo consultorias do Sebrae durante aproximadamente seis meses. Ao todo, o número de negócios impactados gira em torno de 400.
Reflexo nos agentes
Não são apenas os empreendedores que são impactados ao longo da trajetória do projeto. Por meio das capacitações, das trocas com outros jovens e até mesmo com os próprios participantes, os agentes de periferia também se transformam com o Acelera Perifa.
Dessa forma ocorreu com Rony Silva, de 24 anos, formado em Administração e à frente de três empresas, incluindo uma de consultoria empresarial. Durante as capacitações do projeto, ele conta que aprendeu conteúdos que não viu nem mesmo na faculdade.
“A faculdade em si vai falar muitas coisas, mas não vai na prática, e nas capacitações a gente presenciou a prática. [...] Então, foi muito bom. E não só pra questão da faculdade em si, eu digo para a minha empresa também. Tinha coisas que eu não fazia, que o projeto Acelera faz. Deu um norte diferente para o Rony”, explana o agente.

Além de administrar suas empresas, o jovem já participou como palestrante em eventos privados e em ações do próprio Sebrae, como o Startup Day. Agora, após se encantar com o impacto que pôde causar por meio do projeto, ele deseja fazer parte do Sebrae de forma mais ativa e permanente.
“A minha vontade agora é entrar realmente dentro do Sebrae para poder construir outros projetos, até construir um próprio edital ou uma startup”, esclarece.
Obstáculos frequentes para os empreendedores
O projeto tem oferecido suporte fundamental aos empreendedores, mas o público ainda enfrenta muitos desafios devido às condições difíceis em que vivem. Em Alagoas, segundo o Instituto Locomotiva, metade dos empreendedores do estado possui uma renda habitual mensal de até R$2.000, valor pouco acima do salário mínimo.
De acordo com o Data Favela, os empreendedores enfrentam obstáculos ligados à infraestrutura, como o acesso ao crédito; à capacitação, incluindo especializações no ramo de atuação; e à informação, especialmente na divulgação dos negócios online. Veja algumas das dificuldades que eles relatam:

Ainda assim, a pesquisa revela que mesmo com tantas adversidades a maioria dos empresários de baixa renda se sentem esperançosos, onde 64% estão otimistas em relação ao negócio atualmente.
Mesmo confiante, Viviane Areias, mãe, empreendedora no ramo de moda praia e também inscrita no programa, admite ser pessimista em alguns momentos. “Quem é mãe, principalmente, fica com medo, porque o nosso ganha-pão é realmente o nosso empreendedorismo, que a gente vende. Então, em algum momento da nossa vida, em algum percurso da nossa vida, a gente pensa em desistir”.

Para seguir com o sonho de empreender e manter a persistência, Viviane relata que o apoio emocional de pessoas próximas, também de outras empreendedoras, tem sido importante. Elas contribuem não apenas com acolhimento psicológico, mas também com trocas de aprendizado e experiências.
“Tem aqueles amigos que surgem no caminho que são gratificante demais. Alguns são até empreendedores junto com você que dá super força e nos ajuda. [...] Sempre é um aprendizado incrível com as outras empreendedoras. Às vezes a gente dá ideias com a visão de fora, já que podemos estar tão focadas que não enxergamos o óbvio”, ressalta.
Esse apoio externo não vem, necessariamente, da mesma área de atuação. Segundo o Data Favela, os empreendimentos nas periferias são bastante diversos. O setor de alimentação e bebidas lidera, com 39%, seguido por beleza e estética (13%) e, em terceiro lugar, moda (ramo da empresa de Viviane) com 6%.
Confira no gráfico abaixo, ou acesso interativo aqui.

Dificuldades do projeto
Mesmo sendo uma iniciativa inédita, para ser implementado, o projeto enfrentou algumas dificuldades, especialmente na captação de participantes. Segundo os agentes, a disseminação de notícias falsas e golpes na internet geram desconfiança entre os empreendedores, fazendo com que muitos deixem de se inscrever na iniciativa.
Além disso, parte dos empreendedores das periferias ainda vê o Sebrae como uma instituição distante, voltada a um público um pouco mais elitizado. Outro desafio foi a expectativa equivocada de alguns participantes, que ingressaram no projeto acreditando que receberiam dinheiro ou acesso a crédito, sem compreender que o foco principal era a disseminação de conhecimento e capacitação.
Assim como os empreendedores, os agentes de empreendedorismo também enfrentam desafios. João Paulo, de 27 anos e morador do Trapiche, precisou ampliar sua área de atuação por conta da baixa quantidade de empreendedores em seu bairro. Durante uma tentativa de captar empresários para o projeto no bairro do Vergel do Lago, ele passou por uma situação que o deixou assustado.
“Eu fui em uma região meio pesada e me fecharam. [...] Eu sou um desconhecido por lá, de repente amontoou um monte de gente e pareciam que iam mexer comigo. [...] Mas foi só aquela vez e pronto”, contou o agente.
Mesmo após o episódio, João não se deixou abalar. Seguiu firme no projeto e, hoje, presta apoio a 18 empreendedores. Ele menciona que o que gosta de fazer é poder ajudar o próximo.
“Eu sempre fui uma pessoa que gosta de ir para a igreja, para poder ajudar com algum projeto social. Outros fora da igreja também, seja pra tentar alimentar, cuidar das pessoas, doar roupa”, destaca João.

Relação entre os empreendedores e agentes
Nos últimos meses, os agentes de empreendedorismo se dedicaram a apoiar pessoas humildes de suas comunidades, criando laços próximos e colecionando momentos marcantes ao longo do caminho. Alguns chegaram a prestar orientações até mesmo enquanto compravam nos estabelecimentos que acompanham. Com isso, alguns deles reuniram histórias que os marcaram durante o projeto. Assista:
Frutos do projeto e como participar
Para a analista do Sebrae e gestora do projeto, Danúbia Dantas, a iniciativa tem seguido sua premissa original de valorizar o potencial existente nas periferias e incentivar a transformação desses territórios.
“Não queremos pegar o ‘empreendedor da rua principal’, dá também para alcançar os mais longes e os mais difíceis. Essas pessoas que realmente estão na margem distante.”
Danúbia também aponta que, após a conclusão, já irá iniciar o planejamento para a próxima edição. Apesar de ainda não ter uma data definida, a previsão é que o edital seja lançado em novembro ou dezembro deste ano, com início dos atendimentos em janeiro.
No primeiro momento, são selecionados os agentes. Em seguida, os empreendedores se inscrevem e passam por visitas técnicas, que verificam se atendem aos critérios e se, de fato, pertencem às periferias. Após a aprovação, eles passam a integrar o projeto e seguem um ciclo de seis meses de capacitação.
Já os agentes de empreendedorismo também passam por uma seleção. Na última edição, precisavam ter entre 18 e 29 anos. O processo seletivo inclui etapas de análise curricular, entrevista, avaliação de habilidades e perfil, abertura de MEI (quando aplicável), capacitação e, por fim, contratação. Os selecionados receberão R$1.500 mensais, por um período inicial de cinco meses. O contrato poderá ser renovado por mais seis meses.



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